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Hoje quero falar-vos do meu ponto de vista sobre o futuro do turismo a curto e médio prazo. Falaremos da crise turística que foi desencadeada, mas também de respostas e soluções. Não me considero um perito em macroeconomia, embora tente estar informado.
04-04-2022 . Por TecnoHotel Portugal
Há alguns meses, em setembro de 2021, quando todos falavam de uma incrível recuperação do turismo, escrevi para a TecnoHotel um artigo com o título Cassandra e as previsões relativas à recuperação do turismo. Nele, convidei-o a não se surpreender com as manchetes e a tentar aprofundar não só no conteúdo, mas a veracidade do mesmo.
Falava também de como nos devemos preparar para possíveis ameaças, que surgiriam, mais cedo ou mais tarde. Algumas como a inflação, a estagnação, conflitos internacionais, redução do crédito bancário, escassez de produtos básicos, alterações climáticas, hackering e (r)evolução laboral.
Hoje, seis meses depois, encontro-me com a obrigação e com a necessidade de voltar a falar sobre isso. Não é de estranhar que muitas destas coisas estejam a acontecer.
O contexto da atual crise
Sinto essa obrigação e necessidade de falar quando, entre outras manchetes, leio coisas como Ana Botín diz que "é preciso viajar para construir confiança". A Expedia comenta que "2022 será um dos melhores verões de todos os tempos". Ou que Reyes Maroto "exclui um efeito imediato da guerra contra o turismo."
Senhora Deputada Botín, muitas das pessoas que encoraja a viajar pedirão, para o fazer, empréstimos do seu banco. E, se perderem o emprego (o que, na situação em que vamos, é mais previsível do que improvável), não terão como pagar por isso.
Senhores da Expedia, será! Mas vamos preparar-nos para o que nos espera.
Sra. Maroto, a sério?
Concordo que, se quisermos sair desta crise, no mundo que criámos, não há outra forma que não seja ser continuamente ativo. Ativar a economia, como hamsters. Mas acho que temos uma responsabilidade:
— Políticos, para partilhar informações verdadeiras, completas e não segmentadas ou com interessades.
— Empresas, para começar a entender (e tentar evitar) o que nos vem à cabeça.
— Pessoas, nós, não nos deixemos levar uns pelos outros, mas sim, para investigar e tirar as nossas próprias conclusões.
Estou farto de ouvir absurdos. Como se esta crise fosse conjuntural. Que estamos em número recorde de emprego, sem contar com os milhares de ERTEs, novos contratos públicos e contratos por tempo indeterminado que são efetivamente descontinuados. Ou que crescemos mais de 2%, quando tivemos um decréscimo de 11% e a Espanha nunca foi capaz de criar empregos abaixo dos 2%.
Mas não podemos nem devemos culpar apenas os políticos, os meios de comunicação social ou as empresas.
Otimistas Conscientes
No outro dia, moderei uma mesa redonda na qual fiz a seguinte abordagem: o trabalho de um Revenue Manager é otimizar o benefício do hotel todos os dias. Estamos a falar deste verão que será um dos mais poderosos, porque o cliente quer viajar e ainda tem dinheiro. Por outro lado, pode ser que o dinheiro que vamos gastar em viajar para expirecer pode ser necessário numa crise temida que muitos acham que virá em força.
Depois perguntava aos meus colegas de mesa: "O que recomendarias ao teu primo Paco?" No exemplo, explicou que tem 30 anos, com 10 mil euros guardados no banco. Tem um emprego indefinido num hotel como chefe de receção e está ansioso por viajar com a família porque não o faz há dois anos. O seu orçamento será, para aquela viagem tão desejada, €3.000.
Pegaram nesta pergunta com humor, deram soluções engenhosas para o primo Paco viajar sem medo. Aludiam à responsabilidade de cada um para manter o dinheiro em movimento. Desvalorizaram-no e, mesmo, conversando com os participantes, alguém me disse "não podemos ser tão pessimistas". Não os censuro, nem os meus colegas de mesa nem os participantes. Vivemos numa cultura habituada a evitar o que nos deixa desconfortáveis. Somos mais cigarras do que formigas.
E, o que alguns chamam de "pessimistas", chamo de "otimistas conscientes". Além disso, muitos dos que se intitulam otimistas devem ainda pensar se esse otimismo é realista.
Trabalho, entre outros, para hotéis. Obviamente, digo aos meus clientes para tentarem vender o máximo que puderem. Mas também como pessoa que trabalha para outras pessoas, considero que muito poucas estão cientes das complicações que já chegaram.
Espero estar enganado nas minhas previsões, mas, de momento, decidi reunir algumas informações, que penso que podem ajudá-lo a compreender, e fazer um melhor juízo, do que está para vir.
Aumento do custo de vida
Em 16 de março, Jerome Powell anuncia que as taxas de juro (o preço do dinheiro) sobem (hipotecas, empréstimos). Vão de um intervalo entre os (0 a 0,25) a (0,25 – 0,50). Em suma, o dinheiro grátis que foi existia em março de 2020 acaba
Porquê? Para conter a inflação. Não perca de vista o facto de que quando algo é barato, algo perde valor. E não só isso, planeiam fazer 6 etapas até ao final do ano com a ideia de que pode acabar no limiar de 2%. O BCE parece que seguirá as instruções dos EUA.
Algumas consequências e reflexões sobre este ponto:
— Se as taxas do dólar aumentarem, torna-se atraente e degradam o euro. A exportação é facilitada, mas a importação torna-se mais cara. E não estamos só a falar do que compramos dos Estados Unidos hoje, porque quase tudo é comprado em dólares.
— Se o que queremos exportar tiver componentes que compramos em dólares, por derivação, será mais caro fazê-lo.
— A inflação situou-se em 7,9% nos EUA e estima-se que, no final de março, aumente 8%. Isto por si só é um problema. Ainda mais se tivermos em conta que o aumento do IPC é cumulativo. Então, se no ano passado tivéssemos 6% e os 7% seguintes, acumulávamos mais de 13%. Um facto, para ver em perspetiva, é que em 1979 atingiu 10% e 82 a 20%. Isto foi replicado em todo o mundo. O que fazemos agora? Aumentar as taxas é a melhor opção? Abrandar a economia? Deixe o tempo passar para ver o que acontece? Ou os preços serão ajustados sozinhos?
— Os salários não vão subir em linha com a inflação.
— Quando faz a compra percebe-se que os preços sobem mais do que a estatística indica.
— Os impostos associados ao aumento do consumo e, portanto, o governo gerarão receitas mais elevadas. Poderia fazer uma coisa chamada "deflação" para que o aumento dos preços não afetasse os impostos que pagamos. Mas pode um governo com uma dívida pública de 120% pagar isto? Em meados de março de 2022, Pedro Sánchez disse que haveria uma redução de impostos. Não esclareceu para quem, nem sobre o quê, como ou quando.
— Além disso, para os empreendedores/empresários, tudo indica que os custos como freelancers irão aumentar exponencialmente este ano.
Penso que não é necessária mais explicação para que possa compreender como é que isto o afeta, se está desempregado, quer seja um empregado, um empresário ou um governante.
O problema da compra de dívida
Países como Espanha, Itália, Grécia e Portugal vivem, em parte, da venda da sua dívida ao banco europeu. Quem os vai comprar se as coisas continuarem assim?
Comparação com outras crises
Nem todas as crises são criadas iguais e acho interessante vê-la em perspetiva. Este, comparado com os anteriores, é especial. É devido a fatores que até agora nunca tinham ocorrido ao mesmo tempo: pandemia, estagnação, conflitos internacionais, redução do crédito bancário, escassez de produtos básicos, alterações climáticas, hackering, (r)evolução laboral e a rapidez com que as consequências são aceleradas num mundo tão globalizado e conectado como o atual.
Mas, se pudermos compará-la a uma crise histórica, não seria tanto a de 2008, mas sim a dos anos 70. Na crise financeira de 2008, houve uma paragem da procura, pelo que não se gerou inflação. Isto permitiu à Reserva Federal e ao BCE baixar as taxas de juro e comprar dívida, permitindo que os altamente endividados não entrassem em falência. Mas agora a crise vem do abastecimento. Neste caso, os altamente endividados terão mais dificuldade em se salvar. Muitos tornar-se-ão insolventes, porque os bancos não podem baixar as taxas de juro ou comprar mais dívida.
Em suma:
— As crises financeiras ocorrem porque o crescimento da procura depende do crescimento da dívida e, quando o crédito é reduzido, a procura é reduzida, levando a uma queda do PIB e da inflação.
— As crises energéticas ocorrem porque acontece algo que aumenta o preço de tudo, o que leva a uma queda do PIB e a um aumento da inflação.
Por conseguinte, esta crise parece pior porque não permite que as políticas estimulem a procura, uma vez que, ao estimular a procura, só se obtém mais inflação.
Guerra
Abaixo compreenderemos algumas das circunstâncias e consequências dos principais intervenientes neste conflito de guerra:
Rússia
— O rublo está desvalorizado.
— É o maior detentor de dólares no mercado interbancário europeu. No momento em que a Rússia foi impedida de colocar dólares neste mercado, o dólar sobe e o euro desvaloriza. Resumindo com um exemplo muito visual: temos de usar os nossos euros para comprar dólares para podermos comprar petróleo e que, além disso, é mais caro.
— O FMI anuncia, em meados de março, que a Rússia está à beira do incumprimento. Diz-se que, num ano, a Rússia vai ter uma quebra de 71% e 5 em anos de 81%. Entretanto, algumas semanas antes da previsãoera de 50%, parece que é cada vez mais evidente que isso vai acontecer. Se acontecer,é possível que seja aplicada sobre a dívida CDS/swaps de crédito. Foi o que aconteceu com a Grécia, quando na altura Lehman Brothers e AIG faliram, e teve de ser perdoado/coberto.
— Há 1,3 milhões de turistas russos que não podem vir ao nosso país e, se vierem, não podem transacionar.
Europa
A Rússia tem dívidas em todo o lado, incluindo nos bancos europeus. A falência da Rússia não é boa para a Europa. Além disso, é um dos nossos principais fornecedores.
Estados Unidos
Depois de anos a imprimir notas, parece que não vai continuar com a imprensão porque, se o fizer, aumentaria a sua inflação e não lhe convém. Se nem eles nem os russos vão movimentar dólares, esta moeda será super cotada na Europa, porque é uma das principais moedas de câmbio com que lidamos.
Espanha
Embora países como os EUA tenham uma economia sobreaquecida, temos um excesso de oferta que é especialmente afetado pelos custos de produção. 40% das empresas espanholas estão com problemas financeiros e 55% com problemas de liquidez.
Recordemos que a Espanha, antes da guerra e da pandemia, já teve algumas crises internas difíceis de resolver. Falamos, entre outros, da insustentabilidade das pensões, do défice público ou do desemprego. Também de aumentos do salário mínimo inter-professional para um nível que não podemos pagar, o que está a gerar menos emprego.
China
Pode parecer que é o país que mais beneficia com toda esta crise, mas combina realmente com a China que tudo é estável para continuar a crescer ao mesmo ritmo. Algo a notar é que tem 30% do gasóleo mundial. Refinam e ordenaram a todas as suas refinarias que não o exportassem a partir de abril.
Países com petróleo
São países como a Venezuela, a Argélia, o Qatar e, em geral, as monarquias do Golfo, que, obviamente, são as que mais beneficiam com guerra.
Ucrânia
Pode imaginar. A todos os fatores negativos já mencionados em relação ao resto dos países, são acrescentadas mais mortes. Também controle, de uma forma ou de outra, por quem ganha e famílias desestruturadas com sede de vingança.
COVID
Esta é uma das coisas que mais me surpreende. Chega uma crise e parece que a anterior já desapareceu. Mas parece que temos de ficar de olho, porque há um omicron silencioso que pode dar guerra.
Possíveis consequências de tudo isto
Serve tudo isto para contextualizar e compreender as seguintes conclusões focadas no sector do turismo:
— Custos de abastecimento: As empresas terão de otimizar os custos. Na melhor das hipóteses, os seus abastecimentos irão aumentar, mas, inevitavelmente, terão de aumentar os preços. Embora não esteja a dizer que o têm.
— Queda da procura: Estamos a falar de uma crise global. Menos clientes e estes, com menos dinheiro.
— Desemprego: numa economia que não terá procura e, tendo em conta a situação que temos vindo a arrastar desde março de 2020, o aumento do desemprego será inevitável.
— Queda de preço: Como resultado do acima referido.
— Desinvestimento e paralisia: Sem dinheiro, as empresas não poderão investir.
— Mobilizações, protestos e greves: Já começou com a greve dos transportes em meados de março.
Soluções
Não há solução fácil que favoreça a todos. Gosto de entendê-lo mais como o início de uma transição. Em todas as revoluções económicas houve movimentos e gerou-se um período de ajustamento. O mundo muda cada vez mais depressa e penso que tudo o que estamos a viver é o resultado da rapidez com que vai.
Alguns dizem que a única solução é o Grande Reset mas, até que isto chegue, o que eu penso que podemos e devemos fazer é estruturado em várias categorias.
Empreendedores
1. Ler e compreender os dados
Não estou a falar de machine learning ou de novas tecnologias, embora obviamente ajude. Estou a falar de estar sempre um passo à frente e de prevenir o que pode acontecer.
2. Melhorar os processos de negócio e automatizar
Sim, sei que é impopular falar sobre isto, e mais num sector em que o tratamento humano é considerado essencial. Mas, como disse Stephen Hawking, estamos cada vez mais perto de um mundo com 60% de desemprego em que só haverá criativos e supervisores. Dizem que é provável que desapareçam em:
— 3 anos: caixas, empregados de fast food, jardineiros e contabilistas.
— 5 anos: assistentes médicos, polícias de trânsito, rececionistas e pessoal de escritório.
— 8 anos: taxistas e camionistas.
— 10 anos: advogados, médicos dentistas, diretores de RH e cabeleireiros.
Os seus substitutos serão máquinas concebidas por mentes criativas e geridas por supervisores.
3. Compreenda o caminho que o seu negócio está a evoluir
A Cabify e a Uber são as maiores empresas do mundo do modelo de táxi sem terem um único táxi, alojamento Airbnb sem ter uma cama de solteiro, a Nokia morreu em tempo recorde sendo a líder de mercado... Há hotéis que, com a pandemia, conseguiram reinventar-se. O resto deve perguntar-se se estão a trabalhar na evolução do negócio.
4. Estar em Beta permanente
Não só as empresas ou os seus recursos humanos, mas também o próprio empresário.
5. Pactos de trabalhadores da empresa
As empresas terão de fazer pactos com os seus empregados. Os primeiros devem criá-lo de forma transparente e estar cientes de que apertarão os cintos se os trabalhadores agirem em conformidade.
7. Criptomoedas
Até agora, a bitcoin sempre foi falada como um investimento arriscado e volátil. Com a guerra e o armazenamento que a Rússia está a fazer para contornar os bloqueios dos Estados Unidos e da Europa, parece que começa a ser considerado um investimento de refúgio.
Não estou a dizer que as criptomoedas são a solução, mas esta guerra mostrou que estão aqui para ficar.
Governos
Os governos terão de fazer a sua parte, embora os peritos vejam pouca solução a curto prazo. Não temos instrumentos: se as taxas de juro subirem, haverá consequências e, se retirarem também o estímulo.
O que é que se pode fazer?
Informe-se e aja em conformidade. Embora insista em não ser perito em macroeconomia, há uma coisa lógica que explicarei. Parafraseando o ministro da Economia, Fuentes Quintana, três dias após a sua nomeação no auge da estreia da democracia em Espanha: "Uma sociedade é como uma família: se insistirmos em gastar mais do que ganhamos, acabaremos por esgotar as nossas poupanças e o nosso crédito."
Não podemos ignorar esta situação. Nem no domínio empresarial, nem no domínio ambiental, nem no intergovernamental, nem no pessoal. Esperemos que o que estou a dizer não se torne uma realidade e, esperemos que, se pudermos pagar, agora e dentro de alguns meses, para ser um daqueles que ajudam a ativar a economia, faça-o. Mas espero que também, se não sabias toda esta informação, que ela o possam ajudar a tomar decisões sobre oseu futuro.
Gostaria também de agradecer a Marc Vidal, sem cuja ajuda, dia após dia, não seria capaz de formar um critério para poder compreender o mundo económico e financeiro e cujos ensinamentos se baseiam em grande parte destas reflexões.
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Autor: Jaime Chicheri — Profissional em Revenue Management, Distribuição e Marketing Hoteleiro. Autor dos dois primeiros livros sobre Gestão de Receitas, Marketing e Distribuição hoteleira no mundo (escritos em espanhol LibroRevenueManagement.com), sócio fundador da business school eRevenueMasters.com, a agência de marketing digital MarketingSurfers.com, o método OutstandingHoteliers.com, a ferramenta business Intelligence bi4hoteliers.com, o site de adesão HotelMarketing.School, o programa de empreendedorismo para gestores de receitas RevenueKnowmads.com e todo o conjunto ecossistema de projetos recolhidos em WorldMarketingSurfers.com.https://youtu.be/OR_Y-qWV7oI